quarta-feira, 4 de março de 2020

Autoerotismo


Já ouviste falar em autoerotismo? Se nunca ouviste falar, poderás estar neste momento a pensar que deve ser sinónimo de masturbação. Mas nem sempre é exatamente assim.

Então o que é o autoerotismo?

O autoerotismo pode ser definido como a gratificação ou prazer sexual que é obtido através da estimulação do próprio corpo ou da sua imagem ou identidade. Ele pode ser visto como o oposto do aloerotismo ou heteroerotismo, no qual a gratificação sexual é obtida através de outrem. 

Ou seja, no heteroerotismo, há procura de um/a parceiro/a ou de objetos externos para satisfazer o desejo ou líbido sexual, enquanto no autoerotismo é através do próprio corpo, imagem ou identidade que essa líbido é satisfeita, sendo que a excitação sexual ocorre sem que haja estimulação externa.

Existem, contudo, várias formas, graus e manifestações de autoerotismo. Quanto maior a capacidade autoerótica da pessoa, menos ela necessita de estimulação externa ou de fantasias sexuais com outrem para sentir gratificação sexual. Isto pode ter como consequência a capacidade de conhecer e explorar o seu próprio corpo através da autoestimulação erótica ou masturbação, levando a que a pessoa possa obter mais facilmente prazer sexual, sozinha ou com outrem. 

Através da masturbação a pessoa que a pratica ganha um maior conhecimento e consciência do corpo sexuado e das suas zonas erógenas, bem como aprende quais as práticas sexuais que são para si mais prazerosas. E com isso torna-se também mais fácil comunicar a outrem isso mesmo, aumentando assim a probabilidade de ter relações sexuais mais satisfatórias, e prevenindo o aparecimento de dificuldades sexuais, que muitas vezes acontecem por haver desconhecimento do corpo sexuado e por haver dificuldades ou barreiras na comunicação sobre este tema. 

Contudo, masturbação e autoerotismo não são necessariamente a mesma coisa, na medida em que no autoerotismo pode haver masturbação, mas esta tem como foco o próprio corpo ou imagem, enquanto que pode haver masturbação com recurso a fantasias sexuais com outrem ou recorrendo a estímulos externos.

O autoerotismo tem vantagens ou desvantagens para a vida sexual?

A resposta certa é: depende. 

Quando serve para conhecer melhor o corpo sexuado e aprender a
comunicar melhor as preferências sexuais, o autoerotismo é benéfico e até pode ser favorecedor dos relacionamentos íntimos. Mas também poderá não o ser. É tudo uma questão de conta, peso e medida – como já te disse antes, há várias formas, graus e manifestações através dos quais o autoerotismo pode existir. 

Por exemplo, se o autoerotismo se manifesta enquanto orientação sexual (também referido por alguns autores de autossexualidade), nesse caso já não se pode afirmar que favoreça os relacionamentos íntimos ou sexuais com outrem, muito pelo contrário. E mesmo assim, não quer dizer que seja maléfico. 

Vejamos, tu sabes que há várias orientações sexuais, certo? Já lá vai o tempo em que se pensava que a única orientação sexual saudável era a heterossexual (atração afetiva e sexual por pessoas de outro sexo). Ah, já agora, a orientação sexual é a atracão emocional, romântica ou sexual que uma pessoa sente relativamente a outra pessoa, é algo que não se escolhe voluntariamente e resulta de uma diversidade complexa de fatores. 

Hoje em dia os sexólogos e psicólogos reconhecem que há uma grande amplitude de orientações sexuais. Digamos que umas são consideradas saudáveis, como é o caso das conhecidas heterossexualidade, homossexualidade e bissexualidade, e outras são consideradas parafilias. 

As parafilias são orientações sexuais caracterizadas por impulsos, fantasias ou comportamentos recorrentes e intensos que envolvem objetos, atividades ou situações não habituais (por exemplo, voyeurismo, fetichismo, etc.). Se para além disso provocarem sofrimento significativo (na própria pessoa parafilia ou em quem a parafilia atua – por exemplo, no caso da pedofilia, as crianças que
sejam abusadas sexualmente pela pessoa que sofre de pedofilia) ou dificuldade e/ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou noutras áreas importantes da vida pessoa, então já não estamos só a falar em parafilias, mas sim em transtornos ou perturbações parafílicas, e nesse caso, são orientações sexuais não saudáveis.

Quando o autoerotismo se converte por si numa orientação sexual, ela pode ser predominante ou exclusiva. No caso de ser predominante, a pessoa sente-se sobretudo atraída pela sua imagem e corpo, preferindo as atividades sexuais que só a envolvem a si própria, mas consegue apaixonar-se e sentir-se atraída por outra pessoa. Se a pessoa for exclusivamente auto-sexual, isso já não acontece e pode dificultar ou mesmo incapacitar a pessoa para manter um relacionamento íntimo amoroso com outrem. O que, por si só, não é um problema, a menos que traga sofrimento significativo à pessoa e prejuízo no seu funcionamento em qualquer área da vida. 

Se isso acontecer, então o autoerotismo pode ser considerado um transtorno parafílico não especificado, conforme propõe, ainda que não se referindo ao autoerotismo (sabes que há imensas parafilias) a DSM-V, que é o manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais da APA (American Psychiatric Association).

E quando o autoerotismo passa a ser sinónimo de sofrimento e disfunção, então aí está na altura de procurar ajuda especializada, de um psicólogo ou sexólogo/terapeuta sexual. 

Enquanto o autoerotismo servir para conhecer o corpo sexuado e explorar o erotismo e prazer sexual, que seja muito bem-vindo!

Sónia Araújo
Psicóloga e Terapeuta Sexual
Fundadora M’BE - Mindful Butterfly Effect
www.mindfulbe.pt | sonia.araujo@mindfulbe.pt