Já ouviste falar em autoerotismo? Se nunca
ouviste falar, poderás estar neste momento a pensar que deve ser sinónimo
de masturbação. Mas nem sempre é exatamente assim.
Então o que é o autoerotismo?
O autoerotismo pode ser definido como a
gratificação ou prazer sexual que é obtido através da estimulação do
próprio corpo ou da sua imagem ou identidade. Ele pode ser visto como o oposto
do aloerotismo ou heteroerotismo, no qual a gratificação sexual é obtida
através de outrem.
Ou seja, no heteroerotismo, há
procura de um/a parceiro/a ou de objetos externos para satisfazer o desejo ou líbido
sexual, enquanto no autoerotismo é através do próprio corpo, imagem ou
identidade que essa líbido é satisfeita, sendo que a excitação sexual
ocorre sem que haja estimulação externa.
Existem, contudo, várias formas, graus e
manifestações de autoerotismo. Quanto maior a capacidade autoerótica da
pessoa, menos ela necessita de estimulação externa ou de fantasias sexuais com
outrem para sentir gratificação sexual. Isto pode ter como consequência a
capacidade de conhecer e explorar o seu próprio corpo através da
autoestimulação erótica ou masturbação, levando a que a pessoa possa obter
mais facilmente prazer sexual, sozinha ou com outrem.
Através da masturbação a pessoa que a pratica
ganha um maior conhecimento e consciência do corpo sexuado e das suas zonas
erógenas, bem como aprende quais as práticas sexuais que são para si mais
prazerosas. E com isso torna-se também mais fácil comunicar a outrem isso
mesmo, aumentando assim a probabilidade de ter relações sexuais mais
satisfatórias, e prevenindo o aparecimento de dificuldades sexuais, que muitas
vezes acontecem por haver desconhecimento do corpo sexuado e por haver dificuldades
ou barreiras na comunicação sobre este tema.
Contudo, masturbação e autoerotismo não
são necessariamente a mesma coisa, na medida em que no autoerotismo pode
haver masturbação, mas esta tem como foco o próprio corpo ou imagem,
enquanto que pode haver masturbação com recurso a fantasias sexuais com outrem
ou recorrendo a estímulos externos.
O autoerotismo tem vantagens ou
desvantagens para a vida sexual?
A resposta certa é: depende.
Quando serve para conhecer melhor o corpo
sexuado e aprender a
comunicar melhor as preferências sexuais,
o autoerotismo é benéfico e até pode ser favorecedor dos relacionamentos
íntimos. Mas também poderá não o ser. É tudo uma questão de conta, peso e
medida – como já te disse antes, há várias formas, graus e manifestações
através dos quais o autoerotismo pode existir.
Por exemplo, se o autoerotismo se
manifesta enquanto orientação sexual (também referido por alguns autores
de autossexualidade), nesse caso já não se pode afirmar que favoreça os relacionamentos
íntimos ou sexuais com outrem, muito pelo contrário. E mesmo assim, não quer
dizer que seja maléfico.
Vejamos, tu sabes que há várias
orientações sexuais, certo? Já lá vai o tempo em que se pensava que a
única orientação sexual saudável era a heterossexual (atração afetiva e sexual
por pessoas de outro sexo). Ah, já agora, a orientação sexual é a atracão
emocional, romântica ou sexual que uma pessoa sente relativamente a outra
pessoa, é algo que não se escolhe voluntariamente e resulta de uma diversidade
complexa de fatores.
Hoje em dia os sexólogos e psicólogos
reconhecem que há uma grande amplitude de orientações sexuais. Digamos que
umas são consideradas saudáveis, como é o caso das conhecidas
heterossexualidade, homossexualidade e bissexualidade, e outras são consideradas
parafilias.
As parafilias são orientações sexuais
caracterizadas por impulsos, fantasias ou comportamentos recorrentes e
intensos que envolvem objetos, atividades ou situações não habituais (por
exemplo, voyeurismo, fetichismo, etc.). Se para além disso provocarem
sofrimento significativo (na própria pessoa parafilia ou em quem a
parafilia atua – por exemplo, no caso da pedofilia, as crianças que
sejam abusadas sexualmente pela pessoa que
sofre de pedofilia) ou dificuldade e/ou prejuízo no funcionamento social,
ocupacional ou noutras áreas importantes da vida pessoa, então já não estamos só
a falar em parafilias, mas sim em transtornos ou perturbações parafílicas, e
nesse caso, são orientações sexuais não saudáveis.
Quando o autoerotismo se converte por si
numa orientação sexual, ela pode ser predominante ou exclusiva. No caso de
ser predominante, a pessoa sente-se sobretudo atraída pela sua imagem e corpo, preferindo
as atividades sexuais que só a envolvem a si própria, mas consegue apaixonar-se
e sentir-se atraída por outra pessoa. Se a pessoa for exclusivamente
auto-sexual, isso já não acontece e pode dificultar ou mesmo incapacitar a
pessoa para manter um relacionamento íntimo amoroso com outrem. O que, por
si só, não é um problema, a menos que traga sofrimento significativo à pessoa e
prejuízo no seu funcionamento em qualquer área da vida.
Se isso acontecer, então o autoerotismo
pode ser considerado um transtorno parafílico não especificado, conforme
propõe, ainda que não se referindo ao autoerotismo (sabes que há imensas
parafilias) a DSM-V, que é o manual de diagnóstico e estatística das perturbações
mentais da APA (American Psychiatric Association).
E quando o autoerotismo passa a ser
sinónimo de sofrimento e disfunção, então aí está na altura de procurar
ajuda especializada, de um psicólogo ou sexólogo/terapeuta sexual.
Enquanto o autoerotismo servir para
conhecer o corpo sexuado e explorar o erotismo e prazer sexual, que seja muito
bem-vindo!
Sónia Araújo
Psicóloga e Terapeuta Sexual
Fundadora M’BE - Mindful Butterfly Effect
www.mindfulbe.pt |
sonia.araujo@mindfulbe.pt